sexta-feira, 25 de abril de 2008

O interessado desinteresse do dr. José Miguel Júdice

Acho, sinceramente, que o evidente interesse do dr. Júdice em presidir à Sociedade Frente Tejo não tem segundas intenções. Ele costuma ser suficientemente frontal, e às vezes até um pouco provocador, para também neste caso dizer o que realmente sente, apesar da sua prudente e desinteressada postura.

Todos lhe perguntam o que terá a ganhar em se meter nestes trabalhos. Não quero acreditar, sabendo-se que não terá proveitos financeiros directos, que o dr. Júdice esteja a pensar num qualquer esquema de os vir a obter de outra forma. Não será da sua natureza e a falta de subtileza com que tem tratado o presidente da República e a Câmara de Lisboa nas últimas semanas não chegaria a tanto, obviamente.

Acredito na singeleza daquilo que tem dito ser o seu verdadeiro "leit motiv": trata-se, tão-só e apenas, de um "desafio aliciante". Repare-se que, sendo um desafio, também é aliciante, apesar de o convite ter vindo do primeiro-ministro de uma área política que diz abominar, e tão sedutor ao ponto de se ter tornado mandatário do previsível candidato vencedor das intercalares em Lisboa, também socialista. É um facto que menos de dois anos antes tinha sido mandatário da candidata do CDS/PP, mas isso não será o mais relevante.

O que talvez seja interessante é perceber a razão pela qual trabalhar na execução de um projecto que envolverá pouco mais do que os arranjos de uma parte da frente ribeirinha de Lisboa e a construção do novo Museu dos Coches, acaba por despertar tão elevado interesse numa pessoa que, conforme a própria reconhece, já tem tão pouco tempo para a sua vasta clientela. De facto, isto ainda está muito longe daqueles fabulosos negócios imobiliários que exigem uma gestão competente e conhecedora do meio. O mesmo não diríamos da parte de Pedrouços/Algés, o "filé mignon" da frente ribeirinha, que o Governo deixou para segundas núpcias, vá-se lá saber porquê.

No entanto, o dr. Júdice, um homem assumidamente de Direita, da pura e dura, sabe que está a prestar um serviço político ao Governo do PS que louva pela "coragem das reformas". E não o fará por ser ingénuo ou desconhecedor do quadro em que está envolvido. Poder-se-á dizer com simplicidade, apesar de com muita propriedade, que coincide com o Governo nos genéricos propósitos tipicamente liberais. Porém, não é verosímil que o alegado desinteresse o obrigue a ficar por aqui.

Parece ser indiscutível que o ex-militante do PSD está a disputar e a afirmar-se no espaço público, tal como sempre tem feito desde que o conhecemos como político. Com esta operação da frente ribeirinha empenha-se numa verdadeira simbiose: o eng.º Sócrates precisa dele para o mostrar ao eleitorado mais à direita e o advogado/empresário Júdice ganha a evidência política de um destacado serviço público, tendo como plateau as comemorações do centenário da República. As consequências só serão constatáveis nos próximos capítulos, mas não defraudarão as nossas expectativas.

Resta saber o que ganha Lisboa com isto. Muito pouco ou nada. Júdice será o presidente de uma sociedade cujo "patrão" é o Governo, mas dependente dos licenciamentos de uma Câmara com uma maioria evidentemente adversa à sua nomeação, porque não confia nele, acha-o demasiadamente envolvido em interesses privados ou não o considera suficientemente consensual. E não chega esgrimir a retórica de que não foi a votos em reunião de Câmara e, portanto, essa maioria não existe. O facto é que esses votos são como as bruxas de "nuestros hermanos" e acabarão por acontecer. Entretanto, o dr. Júdice já avisou que "nunca lhe foi dito que o 5 de Outubro de 2010 fosse um prazo para concluir todo o projecto"...

Pedro Soares escreve no JN, semanalmente, à quinta-feira.

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