MERCANTILIZAÇÃO MUNICIPAL
Temos sido confrontados com a crescente e contínua ocupação do espaço público da cidade por iniciativas de carácter privado, geralmente ligadas ao marketing comercial, com enorme visibilidade e impacte na paisagem urbana. As campanhas sucedem-se a um ritmo impressionante e em Lisboa este processo tem sido avassalador. Desde praças interditadas aos seus próprios moradores, para apresentação de um novo modelo automóvel, até animais a pastarem na caríssima relva de uma das rotundas mais movimentadas da cidade, para promoção de um destino turístico, de tudo tem acontecido em prol de uma qualquer marca comercial. Esta rasteira lógica de mercado na gestão do espaço público urbano parece ter passado a ser o novo bezerro de ouro do Executivo municipal.
A transformação das populares iluminações de Natal numa operação promocional de uma rede de telemóveis que ocupou os espaços mais nobres da cidade, para além de ter sido concebida com enorme mau gosto, não deixou de ofender a tradição popular e a inteligência dos cidadãos. Discute-se agora na Câmara de Lisboa uma proposta para que cada uma das árvores replantadas passe a ostentar publicidade comercial, em função da empresa que tenha contribuído para o seu financiamento. Cada árvore replantada ao longo de uma rua da capital servirá de suporte para publicidade à lixívia x ou ao iogurte y, caso a proposta obtenha vencimento na reunião municipal.
Este tratamento do espaço público é ignóbil, origina a sua desvalorização social e perverte a sua função urbana. Indicia, igualmente, uma debilidade cultural assustadora e uma atitude em relação ao espaço público ao nível do mais reles “pato-bravismo”.
O espaço público, desde a antiguidade clássica, sempre esteve ligado à formação da opinião pública e ao governo da cidade, no conceito mais profundo da polis. Nos dias de hoje, de promoção da normalização globalizante e do individualismo, constitui um dos mais importantes factores de socialização e de construção da identidade territorial.
Porém, por este caminho, o espaço público, enquanto tal, tenderá a morrer, esvaziado do seu conteúdo simbólico, institucional e popular, intensivamente apropriado por privados para mero suporte do marketing comercial. Claro que a actividade comercial não está excluída do espaço público. Faz parte dele e torna-se imprescindível em muitos casos. Mas o espaço público em termos comerciais é o da diversidade, da feira, do mercado, das lojas, dos anúncios vários, onde os também vários interessados transmitem a sua mensagem, expõem os seus produtos, favorecem as opções múltiplas. O que se passa agora é a hegemonização completa do espaço público por uma marca toda-poderosa, com capacidade de o adquirir mesmo que seja temporariamente. Trata-se de transformar o espaço público no território da manipulação da opinião e da escolha.
É lamentável que o município favoreça e incremente, como está a acontecer em Lisboa, a mercantilização pura e dura do espaço público. O défice do orçamento municipal não pode justificar tudo. É preciso ter princípios na gestão da coisa pública.
Pedro Soares escreve à 5ª feira no Jornal de Notícias.
A transformação das populares iluminações de Natal numa operação promocional de uma rede de telemóveis que ocupou os espaços mais nobres da cidade, para além de ter sido concebida com enorme mau gosto, não deixou de ofender a tradição popular e a inteligência dos cidadãos. Discute-se agora na Câmara de Lisboa uma proposta para que cada uma das árvores replantadas passe a ostentar publicidade comercial, em função da empresa que tenha contribuído para o seu financiamento. Cada árvore replantada ao longo de uma rua da capital servirá de suporte para publicidade à lixívia x ou ao iogurte y, caso a proposta obtenha vencimento na reunião municipal.
Este tratamento do espaço público é ignóbil, origina a sua desvalorização social e perverte a sua função urbana. Indicia, igualmente, uma debilidade cultural assustadora e uma atitude em relação ao espaço público ao nível do mais reles “pato-bravismo”.
O espaço público, desde a antiguidade clássica, sempre esteve ligado à formação da opinião pública e ao governo da cidade, no conceito mais profundo da polis. Nos dias de hoje, de promoção da normalização globalizante e do individualismo, constitui um dos mais importantes factores de socialização e de construção da identidade territorial.
Porém, por este caminho, o espaço público, enquanto tal, tenderá a morrer, esvaziado do seu conteúdo simbólico, institucional e popular, intensivamente apropriado por privados para mero suporte do marketing comercial. Claro que a actividade comercial não está excluída do espaço público. Faz parte dele e torna-se imprescindível em muitos casos. Mas o espaço público em termos comerciais é o da diversidade, da feira, do mercado, das lojas, dos anúncios vários, onde os também vários interessados transmitem a sua mensagem, expõem os seus produtos, favorecem as opções múltiplas. O que se passa agora é a hegemonização completa do espaço público por uma marca toda-poderosa, com capacidade de o adquirir mesmo que seja temporariamente. Trata-se de transformar o espaço público no território da manipulação da opinião e da escolha.
É lamentável que o município favoreça e incremente, como está a acontecer em Lisboa, a mercantilização pura e dura do espaço público. O défice do orçamento municipal não pode justificar tudo. É preciso ter princípios na gestão da coisa pública.
Pedro Soares escreve à 5ª feira no Jornal de Notícias.
2 comentários:
De acordo. A maneira como o nosso espaço público tem sido tratado só pode mesmo demonstrar falta de cultura.
De acordo. O melhor princípio é não deixar morrer o espaço público à conta de princípios incoerentes. Assim como o espaço privado tem uma dimensão pública (caso de alguns logradouros por exemplo), também o espaço público pode ser apropriado... com conta, peso e medida, claro. Mas preconceitos de pouco servem a causa pública.
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