quinta-feira, 25 de setembro de 2008

BARBARIDADE URBANÍSTICA


Imagine que numa manhã de um normal dia da semana repara que, encostado ao seu apartamento, começam a surgir as fundações daquilo que só poderá ser um novo edifício. Ficaria naturalmente preocupado. Nunca tinha ouvido falar em tal coisa, apesar de, quando da compra da sua casa, se ter prevenido e ter ido saber se aquele espaço iria ser ocupado ou não. Também não teve conhecimento da abertura de qualquer período de discussão pública para tal empreendimento.

Em menos de nada, um enorme mamarracho com mais de 35.000 m2 de área bruta de construção, já com quatro andares acima do solo, entaipou as janelas e varanda do seu apartamento. São vários os prédios afectados. A desvalorização abrupta destes andares, que você e os seus vizinhos estão a pagar ao banco, passou a ser óbvia. A luminosidade natural, as vistas, as acessibilidades, a segurança em caso de incêndio, a qualidade de vida de dezenas de famílias, tudo caiu a pique. Questiona-se: mas que cidade é esta?

Você certamente que teria feito o que estes moradores do Alto dos Moinhos, em Benfica, fizeram. Indignaram-se, queixaram-se, denunciaram e exigiram a intervenção municipal no que já é conhecido pelo caso do prédio da Cofina. A Polícia Municipal de Lisboa foi fiscalizar a obra e propôs o embargo. O vereador do Urbanismo achou que o embargo seria despropositado. Os moradores insistiram e o presidente da Câmara foi visitar o local. O comentário foi lapidar: o que se está a fazer “é uma barbaridade urbanística”.

E agora? Qual é a política da Câmara em relação às barbaridades urbanísticas? Pode simplesmente refugiar-se no velho e relho argumento dos direitos adquiridos pelo promotor imobiliário e deixar que tudo aconteça. Mas esta não é a atitude que se espera de um Executivo que quer colocar o urbanismo em pratos limpos, como alternativa ao clima de arbitrariedade que tem marcado a cidade. A Câmara tem meios suficientes para impor uma negociação aos promotores e impedir que a ideia de impunidade se instale, como uma espécie de direito consuetudinário que favorece sempre os promotores e prejudica invariável e gravemente o interesse público e o dos particulares em geral.

O absurdo de tudo isto seria se, sob a correcta premissa de que a Câmara é uma pessoa de bem e cumpridora, fosse feita vista grossa sobre as habilidades que continuam a sustentar estas arbitrariedades e barbaridades urbanísticas.

Pedro Soares escreve no JN, à 5ª feira.

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