O maravilhoso mundo dos estágios não remunerados
No passado sábado, uma empresa municipal publicou um anúncio, no semanário Expresso, solicitando um/a arquitecto/a. Até aqui, nada de insólito, não fora o facto de esta empresa, que se apresenta como ‘desempenhando funções socialmente relevantes', não pretender pagar a esta pessoa.
Devo admitir que gostaria de poder ter tido a possibilidade assistir ao momento em que, nesta empresa, se discutiu a necessidade de contratar um/a arquitecto/a. Em situações normais, a conversa teria pouco de interessante mas, neste caso, deve ter sido digna de registo.
Imagino algo assim:
Pessoa A: Eh pá, o trabalho está a aumentar e já não estamos a dar conta do recado.
Pessoa B: Tens razão... Se calhar metia-se alguém para ajudar, não?
Pessoa A: Não era mal pensado, não. Temos muito trabalho pela frente com os licenciamentos urbanísticos e a apreciação de projectos, para já não falar naqueles programas de gestão urbanística, documental e de georeferenciação que vão dar que fazer...
Pessoa B: É o que eu te digo; mete-se alguém. Um arquitecto novo e que perceba de informática. Pessoa A: Mas isto é muito trabalho. E é coisa de responsabilidade...
Pessoa B: Arranja-se alguém que seja responsável, perfeccionista, organizado, com capacidade de trabalho e de se integrar aqui na equipa.
Pessoa A: É isso mesmo! Mas tem de ter disponibilidade para entrada imediata, que a gente está mesmo a precisar!
Pessoa B: É pá! Está feito! Não temos é como pagar, mas isso arranja-se! Diz-se que oferecemos "integração em equipa competente, motivada e dinâmica". Os anúncios dizem todos isso!
Pessoa A: Essa é muito boa! E acrescentamos também que somos uma empresa com funções socialmente relevantes. A malta nova gosta dessas coisas...
Pessoa B: É isso, pá. Dizemos que é um estágio não remunerado e depois vamos dizendo que logo se vê, que pode ser que abram vagas no quadro para contratar e tal...
Pessoa A: Vou já tratar disso! Vou mandar pôr o anúncio no caderno de emprego do Expresso, que dá credibilidade à coisa!
Sendo certo que este diálogo acutilante não passa de imaginação, é também verdade que não consigo vislumbrar boa fé em que faz semelhante proposta e, por inerência, várias questões me assolam:
- Como é possível que alguma entidade considere aceitável propor que se trabalhe de graça?
- Será que as Ordens profissionais não têm nada a dizer sobre este assunto?
- Será que a Autoridade para as Condições de Trabalho não pode agir?
- Não será possível denunciar mais estas situações?
- Será que vai ser esta a solução encontrada pela Administração Pública para lidar com os/as precários/as?
NOTA: o diálogo foi baseado no anúncio publicado, que pode ser consultado na íntegra aqui
Cristina Andrade, psicóloga, activista do Ferve.
Publicado em http://www.esquerda.net/
Ver sobre este assunto neste blog:
EMPRESA MUNICIPAL OFERECE ESTÁGIO NÃO-REMUNERADO
BE SOLICITA ESCLARECIMENTOS SOBRE ANÚNCIO PARA CONTRATAÇÃO DE ESTAGIÁRIO NÃO REMUNERADO
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