quinta-feira, 1 de maio de 2008

Acordo da CML com os Sindicatos

Há perto de dois milhões de trabalhadores precários em Portugal, entre contratados a prazo, "recibos verdes", trabalho não declarado e subemprego. Só na Administração Pública haverá qualquer coisa como 117 mil pessoas a "recibo verde".

Muitos destes trabalhadores, os falsos "recibos verdes", desempenham funções que correspondem a um contrato de trabalho efectivo, mas são obrigados a colectar-se como independentes, apesar de serem trabalhadores por conta de outrem. A entidade patronal recusa-se pura e simplesmente a estabelecer qualquer vínculo contratual, nem que seja um mero contrato a prazo. Não recebem subsídio de férias, nem de Natal e não têm direito a subsídio de desemprego, mas descontam para a Segurança Social mais do que os restantes trabalhadores.

No âmbito da revisão do Código do Trabalho, o Governo do PS anunciou medidas em relação aos trabalhadores a "recibo verde" que não são mais do que uma espécie de legitimação desta ilegalidade. Parece entender o ministro Vieira da Silva que pagando-se qualquer coisa mais ao Estado, os empregadores ficam como que habilitados, e de certo modo incentivados, a contratarem falsos "recibos verdes" para funções que todos sabemos serem permanentes.



Com isto cumpre-se um dos maiores desígnios da economia liberal: a erradicação das protecções sociais que devem estar ligadas ao trabalho. De facto é uma questão civilizacional. Em vez do Estado social, promove-se a selvajaria liberal.

Gravíssimo é o facto de ser a própria Administração Pública a ter este tipo de práticas, às quais as autarquias, que estão mais próximas das populações e deviam ser as primeiras a zelar pelos direitos dos seus munícipes e trabalhadores, não se têm eximido.

É neste lamentável contexto de crescente precariezação das relações laborais que deve ser valorizado o acordo alcançado, esta semana, na Câmara Municipal de Lisboa com os três sindicatos representativos, para a integração no quadro de cerca de 700 falsos "recibos verdes".

Durante mais de uma dezena de anos, a Câmara de Lisboa assegurou parte significativa dos seus serviços com recurso à contratação ilegal de prestadores de serviços que, afinal, ocupavam postos de trabalho permanentes, com vinculação hierárquica, horário de trabalho e tudo o mais a que um funcionário é obrigado, mas sem quaisquer direitos ou garantias laborais.

Nunca tinham sido tomadas medidas para resolver este problema. Vencidas as naturais hesitações de quem tinha de assumir esta responsabilidade perante os trabalhadores e as dúvidas sistemáticas dos que nunca duvidaram em contratar pessoal a "recibo verde" quando tinham funções executivas, a Câmara aprovou (com as abstenções do PCP e da lista "Lisboa com Carmona") um processo de integração dos avençados com recurso à figura do tribunal arbitral e com a participação dos sindicatos.

Para que não fiquem suspeições a pairar, é justo que se clarifique que neste processo não entram os contratados para os gabinetes de apoio aos eleitos.

Um bom exemplo que bem pode ser seguido nos restantes municípios e que deveria encher o ministro Vieira da Silva de vergonha.

Pedro Soares escreve no JN, semanalmente, à quinta-feira.

3 comentários:

Anónimo disse...

Pena que a integração no quadro seja num quadro de direito privado. Não deixa de ser interessante que para o exercício de funções públicas se coloque 800 funcionários em contrato individual de trabalho. Mas sempre é melhor que ser recibo verde!

Anónimo disse...

Saliento aqui o artigo 18º do "Regulamento de arbitragem no âmbito do acordo visando a adequação dos vínculos do pessoal do município em regime de direito privado" (pág. 20 do Boletim Municipal que pode ser encontrado aqui http://www.cm-lisboa.pt/docs/ficheiros/BM_741.pdf) e que na sua alínea 3 diz que, entre outras coisas, que "a categoria de integração é a categoria de ingresso na carreira correspondente ás funções efectivamente exercidas, desde que se verifique a posse das habilitações e qualificações legalmente exigidas para o respectivo desempenho." Ora, sei de muito boa gente que está a desempenhar funções a recibos verdes para as quais não tem habilitações literárias, apesar de as desempenharem tão bem (ou melhor) do que outros que têm... O que vai acontecer a esta malta?

Anónimo disse...

Isto é tudo muito giro, claro que estou aliviado por não ter sido despedido mas tenham lá paciência, ao fim de 7 anos a trabalhar, vou retroceder e de um vencimento de técnico superior de 2ª classe vou passar a receber como estagiário?
Ficar com menos de 800 euros?
Pelo amor de Deus.
Esta é a cereja no topo do bolo.
É verdade que se abrissem concursos públicos e concorressemos seria igual, passariamos a estagiários. Contudo há pequenas diferenças mas que fazem, lá está, toda a diferença:
1º Poderíamos pedir dispensa de estágio comprovando que há muito vimos desempenhando as funções, pelo que o estágio não se justificaria;
2º Há um despacho de 2004 a dispensar de estágio os trabalhadores com mais de 3 anos no exercício das funções;
3º Num concurso público entram pessoas sem qualquer experiência pelo que o estágio se justifica;
4º No nosso caso trata-se de situações em que há claramente uma falsa avença, pelo que os anos de serviço deveriam ser tidos em conta relativamente ao escalão de colocação;
5º A aceitar o acordo tal qual vem redigido, não tenho a menor dúvida de que não haverá progressões.
Estará, uma vez mais, a CML a servir-se de falsos avençados com a experiência e trabalho em muito superior a alguns, repito, alguns, funcionários, e a pagar miserávelmente.
Repito também... 800 líquidos por técnicos há mais de 5, 6, 10 anos!!!
Há direitos adquiridos que deveriam ser respeitados..
Enfim, assim vai o nosso Portugal, assim vai a CML e os nossos Sindicatos.
Eu já admitia ganhar como técnico superior de 2ª classe, índice 400, agora estagiário???
Lá vou eu fazer feliz o Presidente e alguns outros colegas uma vez que se fala que as "vagas" serão apenas 400!!

respondendo ao anterior comentário: sinto informar que concordo: Não poderá ingressar numa categoria de por ex: técnico superior se não possuir habilitação legal - é o mesmo que fazer projectos mas não os poder assinar uma vez que não possui a carteira profissional! Acho que aqui não há dúvidas da justiça e da legalidade!
Agora passar de técnico eterno superior de 2ª classe para estagiário ao fim de 7 anos de serviço (atenção que ganho 1500 € ilíquidos - o que incluiria os subsidios todos) para 1070 iliquidos vai uma grande diferença para não dizer que é o despudor total!!!