A crise habitacional na cidade de Lisboa entra pelos olhos dentro e está a gerar revolta nos moradores. A Câmara mantêm-se inoperante para enfrentar esta urgência e remete-se para uma política que alterna entre o virar das costas aos problemas, como no caso do Bairro Portugal Novo, e a tentativa de afirmação da sua autoridade, com a execução de despejos, tal como tem vindo a acontecer no Bairro do Cabrinha.
Porém, na realidade, a Câmara tem vindo a perder toda a autoridade em matéria de habitação. Este Executivo começou o mandato a fazer despejos inconsequentes, passou pelo escândalo das atribuições de casas municipais sem critérios e parece que quer terminar com a Polícia Municipal a ser o seu principal instrumento de política habitacional. E é muito grave, porque a recuperação da vivência de Lisboa é indissociável do reconhecimento das questões sociais como centrais no acesso à habitação, nomeadamente pelas chamadas classes médias e pela população de menores recursos.
Perante o abismo e já a meio do mandato, foi dada a responsabilidade de elaboração do Plano Local de Habitação a uma vereadora da oposição, o que não deixa de ser sintomático da incapacidade desta maioria PS em defrontar os poderes ocultos que continuam a mandar na cidade. De facto, nada poderá ser feito de substantivo até ao final deste mandato e aguarda-se, igualmente, a execução do compromisso político de garantir uma quota mínima de 25% para habitação a custos controlados nos novos projectos de construção e em grandes operações de reabilitação.
Mas a situação mais problemática em termos imediatos prende-se com a empresa que gere os bairros sociais, a Gebalis. Segundo notícias vindas a público e informações recolhidas entre as pessoas envolvidas, uma das ocupantes alvo das recentes acções de despejo na Quinta do Cabrinha – Sara Nunes, solteira, de 22 anos, mãe de uma criança de dois anos - tinha efectuado um pedido de habitação social quando o filho nasceu, não tendo até ao momento recebido qualquer resposta dos serviços municipais ou da Gebalis.
Uma empresa municipal que tem como único objecto da sua intervenção a gestão da habitação social na cidade, não tem disponibilidade para, ao longo de dois anos, dar uma palavra sequer a uma jovem mãe solteira que pediu ajuda? Não teria sido possível, no mínimo, esclarecer a situação social desta família monoparental, certamente a braços com dificuldades extremas? Não teria sido possível desenhar uma estratégia de apoio para esta família desesperada? A única alternativa foi o abandono? Para que serve, então, esta empresa financiada com os nossos impostos?
A situação da Sara não é única, nem se tratou de um erro qualquer que será corrigido em breve. Antes pelo contrário, sabemos que é prática comum da Gebalis recusar pedidos de desdobramento a famílias que já não cabem nos fogos, dormem no chão da sala ou partilham, entre pais, filhos e netos, quartos sem quaisquer condições. A empresa municipal não aceita sequer o registo desses pedidos, facto que aconteceu na maior parte dos casos das pessoas envolvidas nas ocupações de fogos vazios na Quinta do Cabrinha. No entanto, os fogos têm-se mantido vazios, sob os mais variados argumentos, mas sempre sob a capa da mais revoltante insensibilidade. A Gebalis demonstra de forma exuberante a sua incompetência, perante a inacção dos responsáveis políticos.
O presidente da Câmara de Lisboa e a vereadora da Habitação, não têm nada a dizer sobre isto, a não ser enviar a Polícia Municipal? Agora, em Lisboa, qualquer problema de habitação passou à categoria de “caso de polícia”? Este Executivo está a prestar um péssimo serviço ao indispensável processo de integração da cidade. Segregam-na cada vez mais, estigmatizam os bairros sociais e quem lá vive sente-se cada vez mais isolado. Lisboa continua a definhar com esta política.
Pedro Soares