quinta-feira, 12 de março de 2009

Caso de polícia?


Lisboa está a perder população a um ritmo impressionante, cerca de 100 mil habitantes por década, tornando-se insustentável a curto prazo. A cidade tende a ser repulsiva e afasta os mais jovens para a periferia. Gera um tráfego automóvel pendular de quase meio milhão de veículos que entope diariamente os acessos metropolitanos. À noite desertifica-se e fecha-se nos seus guetos. É uma cidade que morre, apesar de ser uma das mais bonitas da Europa.

A situação que se vive no Bairro Portugal Novo, nas Olaias, e que adquiriu maior evidência nos últimos dias, suscita as maiores preocupações e torna muito mais clara a questão central, estratégica, de Lisboa. É preciso com toda a urgência enfrentar o problema que se engendra à volta de um bem essencial que é a habitação. A palavra-chave é reabilitação e o executivo municipal não toma as medidas necessárias. Essa seria a proposta que valeria a pena fazer ao Governo, o da exigência de um programa apoiado centralmente para a reabilitação habitacional. Seria de valor estratégico.

Porém, no caso do Bairro Portugal Novo, a Câmara preferiu reduzir este problema - degradação do bairro, do seu edificado, da sua inserção urbanística e do seu contexto social - a um mero caso de polícia. António Costa começou por dizer que «não há nenhum plano municipal» relativamente ao bairro e acrescentou que aquele local «não se trata de um bairro municipal», logo é «estranho ao município». Surpreendentemente, a maior parte da população de Lisboa, não vivendo em bairros municipais, corre o risco de passar a ser estranha a este presidente da Câmara. Para que serve, afinal, a Autarquia que deveria ter à sua responsabilidade todo o território do concelho?

Esta atitude é sinónima de demissão e de desistência. Ninguém exige ao presidente da Câmara que dirija e execute as diligências no âmbito criminal que o caso eventualmente envolva. Não são da sua competência, não tem de se meter nisso e muito menos de arranjar desculpas de ficção policial. Mas é sua atribuição cuidar, precisamente, dos aspectos relacionados com o edificado, com o urbanismo e com a vivência social em todos e em qualquer um dos pontos do território municipal, sejam eles bairros municipais ou privados.

Aquelas declarações ficaram-lhe muito mal. Soaram a «sacudir a água do capote» e a mais uns lamentáveis tiros na guerrilha que agora alimenta com o ministro que lhe sucedeu na Administração Interna. De facto, a Câmara tem responsabilidades directas na situação do bairro Portugal Novo que não pode alienar. Já participou, em 2004, num estudo conjunto sobre a matéria com o LNEC e o então INH, assim como aprovou, por unanimidade, uma proposta que previa o levantamento da situação, a tipificação e identificação das anomalias e a elaboração de um estudo para a requalificação do bairro.

O que se exige à Câmara e, em particular, ao seu presidente, é saber o que foi feito para que a deliberação municipal fosse cumprida e o processo de reabilitação tivesse avançado. Todos nós queremos saber o que foi feito por parte da Câmara durante o mandato para que a cooperação com o IRHU (ex-INH) fosse uma realidade e um programa de intervenção naquele bairro, tal como noutros, visse a luz ao fundo do túnel.

Não há projecto Nova Alcântara, com contentores à mistura, nova sede da Fundação Champalimaud à beira rio ou terceira travessia do Tejo que consigam obnubilar a realidade de milhares de lisboetas que continuam a viver nas piores condições sociais e de habitação. Enquanto a política em Lisboa não escolher os lisboetas como prioridade e a cidade continuar a ser tratada como um negócio, Lisboa não deixará de definhar.

Pedro Soares

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