sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Contra o Tejo, à martelada

O caso do prolongamento sem concurso da concessão da exploração do Porto de Lisboa é um evidente caso de prática lesiva do interesse público.

O único motivo até agora apresentado para o justificar foi a "urgência" do aumento da capacidade do Porto: uma "urgência" bizarra, que não é referida em nenhum dos documentos de orientação estratégica com relevo para o desenvolvimento do Porto: nem o documento "Portugal Logístico" (disponível nas fontes oficiais como apresentação tipo "power-point"), nem as "Orientações Estratégicas para o Sector Marítimo-Portuário" (disponíveis na forma de discurso de uma governante) nem as "Orientações Estratégicas para o Porto de Lisboa" sugerem qualquer tipo de urgência nessa expansão.

De resto, a situação económica internacional actual também não sugere que haja grande "urgência" em desenvolver em grande escala as infra-estruturas de apoio ao comércio internacional, que se prevê em abrandamento. A expansão do Porto de Lisboa assente na prorrogação de um contrato de concessão sem concurso público é um dos mais obscuros negócios entre a administração pública e uma empresa privada a que temos assistido em Portugal, com a particularidade de beneficiar uma empresa presidida por um ex-ministro.

Esta "urgência" de expandir o Porto de Lisboa leva também a que se planeie essa expansão sem esperar pela definição de um Plano Estratégico para essa-infra-estrutura, sem se conhecer o seu enquadramento no Plano de Requalificação da Zona Ribeirinha da Cidade e sem se perceber como se articula com o restante tecido urbano (e em particular com o sistema de transportes), o que deveria ser enquadrado pelo Plano Director Municipal. Já agora, esta expansão foi decidida sem qualquer tipo de auscultação dos cidadãos lisboetas e as suas implicações só estão a ser discutidas em consequência da indignação de muitos desses cidadãos.

Não é esta a primeira intervenção na zona ribeirinha a ser decidida à revelia da opinião dos lisboetas e dos instrumentos de ordenamento territorial em vigor na cidade. Já com a aprovação do edifício que alojará a Fundação Champalimaud, em Pedrouços, o governo e a Câmara decidiram suspender o Plano Director Municipal (a forma mais violenta de o contrariar, utilizada em raras situações, mesmo com os chamados projectos PIN) para acelerar a sua implementação, em nome da necessidade de ter o edifício pronto para o centenário da República!

As bizarras explicações adiantadas pelo governo e município para justificar intervenções de grande escala na zona ribeirinha de Lisboa, ao arrepio das orientações de gestão territorial vigentes e sem qualquer tipo de diálogo com a população, ocorrem com um executivo autárquico que assumiu a importância da participação cidadã como uma das "bandeiras" do ser programa para a cidade. Afinal, parece que iniciativas aparentemente louváveis, como a criação de um orçamento participativo, parecem agora meras manobras de diversão, branqueadoras de uma gestão territorial prepotente e ao serviço de grupos de interesse privados.

João Romão in Esquerda.net

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