quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

COLIGAÇÕES E ESTRATÉGIAS

Na recente apresentação da carta estratégica para Lisboa, Rui Godinho lembrou que a coligação de esquerda do tempo de Jorge Sampaio foi «extremamente importante e quebrou vários tabus da sociedade portuguesa». Há 20 anos, é verdade, procurou-se construir um projecto de esquerda partilhado para a cidade. Foi muito importante.

Demonstrou-se, nessa altura, que era possível pensar numa outra forma de governar o município, onde a democratização dos processos de decisão e o planeamento participado fossem essenciais e imprescindíveis. Foi quebrado um tabu.

Quando agora se fala em carta estratégica para Lisboa, tem todo o sentido recordar essa coligação. De facto, a grande diferença entre aqueles tempos e os dias de hoje é que o PS abandonou o projecto partilhado da esquerda de então. O próprio processo de elaboração da proposta de carta estratégica, cuja apresentação há dias motivou as referidas palavras do ex-vereador do Ambiente, é o exemplo acabado desse abandono.

Apesar de se tratar de um instrumento que ultrapassará o tempo do mandato em curso e de ser um documento de perspectiva estratégica e, portanto, de longo prazo, a maioria PS não quis envolver as restantes forças políticas municipais no processo de elaboração da carta estratégica. Procede à sua apresentação pública sem ter ido a reunião de Câmara e sem ter sido objecto de qualquer debate na Assembleia Municipal, nem que fosse em sede de comissão especializada.

Este é o tipo de prática política que descredibiliza os vazios apelos do PS a coligações com a esquerda em Lisboa. Ninguém que respeite os seus eleitores está disposto a servir de mera muleta às ambições hegemónicas desta maioria que, em vez de uma gestão partilhada, participada e democrática, quer impor a todos uma visão retrógrada e unilateral do governo da cidade.

Que autoridade tem o PS para pedir coligações à esquerda ou dizer que outros não são de confiança, quando nem o acordo que estabeleceu com o Bloco de Esquerda para este curto mandato de dois anos, numa situação de emergência da autarquia, está disponível para cumprir? É verdade que o mandato ainda não acabou e o balanço final só deverá ser feito no termo do mandato. Fá-lo-emos com toda a certeza. Mas já é tempo de perguntar pela reestruturação das empresas municipais, nomeadamente da EPUL e da GEBALIS, e pelas adequadas operações de integração, fusão ou extinção. São medidas que integram o referido acordo, fundamentais para o saneamento financeiro do município e para o fim da falta de transparência e do clientelismo, mas que nem iniciadas foram.

Os paralelismos que alguns procuram agora encontrar com o período da presidência municipal de Jorge Sampaio não se compaginam com a falta de iniciativa para mudanças estruturais, nem com a falta de partilha política e de participação que se vive na cidade. Muito menos com o escândalo do que se está a passar com o alargamento do cais de contentores em Alcântara, a entrega do espaço público para operações de marketing ou a alienação, como no caso do Tribunal da Boa-Hora, da memória e do património da cidade. Por causa de ter abandonado escolhas fundamentais sobre Lisboa, o PS perdeu quaisquer condições para pedir o que quer que seja à esquerda.

Pedro Soares escreve à 5ª feira no Jornal de Notícias.

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