quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

CINCO MIL EUROS


A expectativa sobre o que se iria passar na Boa-Hora, a propósito da leitura da sentença do caso Bragaparques, era naturalmente elevada. O procurador do Ministério Público tinha proposto ao tribunal, nas alegações finais, a aplicação a Domingos Névoa de uma pena de prisão “abaixo do limite médio” para aquela moldura penal, menos de dois anos e meio, portanto, mas suspensa na sua execução. Parecia um pedido bastante moderado, tendo em conta que toda a matéria constante da acusação tinha ficado provada.

Não será exagero dizer que a leitura da sentença apanhou de surpresa a generalidade dos inadvertidos e incautos cidadãos que acompanharam o processo. Não só pela sentença em si, mas sobretudo pela pena que impôs ao sentenciado. De facto, apesar do gerente da Bragaparques ter sido condenado por acto de corrupção, sem margem para qualquer dúvida, e de ter ficado completamente desmontada a ardilosa história que tinha urdido em sua defesa, o tribunal decidiu aplicar-lhe, pasme-se, uma multa de… cinco mil euros, a pagar durante 25 dias, à razão de 200 euros por dia!

O argumento da sentença é de que a lei distingue entre corrupção para acto lícito e acto ilícito, sendo que neste caso a corrupção visava um acto lícito. Sim, leu bem: um acto lícito. Com todo o respeito pela interpretação do tribunal, isto é ridículo. Corromper o detentor de um cargo público para, com a suas declarações e acções enquanto tal, prejudicar o interesse público é passível dessa absurda distinção?

Esta sentença veio mais uma vez dar razão à procuradora Maria José Morgado quando declarou, há dias, que a distinção entre corrupção para acto lícito e acto ilícito é um disparate e devia ser abolida. Aliás, o Bloco de Esquerda, no âmbito do debate sobre o pacote legislativo contra a corrupção, tentou terminar com essa distinção na Assembleia da República, mas o PS opôs-se, vá-se lá saber porquê…

Não se consegue entender qual foi o sinal que o tribunal pretendeu transmitir à sociedade. Porém, o sinal que Domingos Névoa evidenciou à saída do tribunal, declarando, com um sorriso que misturava satisfação e ironia, não ter cometido qualquer erro e que tornaria a fazer tudo na mesma, foi muito claro. A corrupção às vezes implica alguns transtornos, mas parece continuar a ser compensadora.

Cinco mil euros são absolutamente risíveis em comparação com as verbas envolvidas no fabuloso negócio de permuta entre os terrenos da Feira Popular e do Parque Mayer, em Lisboa. Cinco mil euros são uma gota de água no oceano dos negócios mantidos ao longo de vários mandatos entre a Bragaparques e a Câmara de Lisboa, nunca cabalmente esclarecidos. Cinco mil euros não têm qualquer significado para os montantes envolvidos em obras que têm suscitado as maiores suspeitas nos municípios de Braga, Coimbra, Porto… Cinco mil euros são apenas 2,5% do montante em notas que Domingos Névoa estava disposto a investir no acto de corrupção do vereador Sá Fernandes. Cinco mil euros são peanuts para a Bragaparques.

A sentença aplicada a Domingos Névoa veio confirmar, com lamentável evidência, aquilo que se vai dizendo à boca pequena: continua a haver interesses muito poderosos que não permitem que o combate à corrupção seja uma prioridade de verdade. Num país com recursos tão escassos, esta é uma factura demasiadamente pesada que todos nós acabamos por ter de pagar.

Pedro Soares

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