quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Ouro por Carvão


O relatório de auditoria do Tribunal de Contas (TC) à concessão do terminal de contentores de Alcântara – Porto de Lisboa, é uma peça notável e clarificadora de como um contrato público, por ajuste directo, beneficia despudoradamente um privado e coloca em causa, de forma fantástica, o interesse e os dinheiros públicos.

Como já tinha sido dito em relação ao negócio de permuta entre os terrenos do Parque Mayer e da Feira Popular, este contrato entre a Administração do Porto de Lisboa (APL) e a concessionária Liscont, dá carvão ao Estado e entrega o ouro todo à empresa presidida pelo ex-ministro Jorge Coelho.

Repare-se que o projecto pretende a triplicação da capacidade de movimentação de contentores em Alcântara, certamente com o objectivo de aumentar a competitividade e as receitas da concessionária. Contudo, apesar de caber à APL e REFER suportarem 40% do investimento e, naturalmente, os restantes 60% ao privado, sabe-se agora que quase 70% do investimento a cargo da Liscont virá a ser recuperado por via da isenção de taxas à APL – aproximadamente 199 milhões de euros. Contas feitas, é ao erário público que caberá suportar, afinal, cerca de 52%, 250 milhões de euros, do investimento total.

Não bastando isto, o Estado aceitou ficar com a generalidade dos riscos comerciais, assegurando a rendibilidade da concessionária privada e, em última instância, viabilizando o próprio financiamento bancário da operação, em substituição do privado. De facto, a banca não acreditou nas projecções optimistas do projecto (o movimento de contentores tem diminuído) e exigiu garantias públicas. A APL fica, assim, obrigada a pagar à Liscont se o movimento de contentores ficar abaixo do desejado, bem como suportará quaisquer prejuízos em virtude de “alteração de circunstâncias”, como contingências ambientais, geotécnicas, entre outras. Se ocorrer denúncia do contrato, o Estado assume todas as responsabilidades financeiras.

Quer dizer, os nossos impostos, para além de serem a maior componente do investimento, reembolsarão sempre os accionistas da Liscont, haja muitos ou poucos contentores (apesar de dizerem que o negócio se justifica pela necessidade de triplicar a capacidade de movimentação portuária), faça chuva ou faça sol, reduzindo o risco do capital a uma verdadeira anedota. O TC entende que esta “não se pode considerar como solução aceitável, em termos de protecção dos interesses financeiros públicos”.

Espera-se que haja alguma decência e que os mecanismos legais que conduzam à anulação deste vergonhoso contrato funcionem. Entretanto, enquanto a maioria PS na Câmara de Lisboa desvia o olhar, o ministro, a secretária-de-Estado e o presidente da APL permanecem nos seus lugares.

Pedro Soares

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